Esperamos tanto pra isso?!

Lembro de quando eu jogava videogame na locadora aqui do meu bairro com meus amigos de adolescência. Pertinho do final da era dos 16 bits e conhecendo os primeiros jogos de um promissor PlayStation, volta e meia jogávamos algum game que exigia um pouco mais de nossa capacidade de leitura: com os games todos em inglês, muitos de nós jogadores, quando não perdíamos a paciência e martelávamos o botão X do controle rapidamente pra passar logo aquele texto chato, tínhamos que nos virar pra saber o que diabos era todo aquele converseiro entre o Cloud e o Sephiroth. Não eram raras as vezes em que nos perguntávamos: “e se os jogos fossem todos escritos em português? Seria massa, né?”.

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Cadê o dicionário que tava aqui?

A intenção de se traduzir jogos de videogame para Português Brasileiro não é nada nova, mas antigamente as poucas iniciativas de localização de games para o Brasil eram bastante tímidas, algumas sendo vítimas da inexperiência: de cabeça só consigo me lembrar do péssimo trabalho da Blizzard em StarCraft 1 e em WarCraft 2, bem como de pérolas primorosas como Max Payne 1 e Grim Fandango. Mas ainda era pouco, muito pouco. E nós queríamos mais. Tanto que nós mesmos botávamos a mão na massa às vezes!

Com o passar dos anos a tecnologia avançou, o mercado brasileiro de games realmente nasceu – com a crescente vontade dos jogadores brasileiros de largar a pirataria, o que consequentemente despertou o interesse das fabricantes e publishers – e assim surgiram oportunidades de as empresas do ramo tentarem coisas novas para cativar um novo e vibrante público.

“Ei, os brasileiros amam jogar videogame! Eles são loucos por isso e compram nossos jogos todos os anos! Porque diabos não traduzimos nossos produtos pra eles”? E assim se fez: atualmente muitas empresas fazem questão de trazer seus jogos para o nosso país devidamente localizados e felizmente a grande maioria dos trabalhos que chegam até nossos consoles e computadores são de muito boa qualidade ou ao menos fruto de um esforço honesto nesse sentido.

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Justiça seja feita, a Ubisoft também capricha na localização de sua franquia mais popular.

Mas de vez em quando lembramos que videogames são um negócio. As empresas não fazem isso por puro altruísmo e sabem que jogos em português dão mais lucro por abranger um público maior. O problema é quando algumas empresas erram a mão na hora de visar esse lucro e passam a fazer um trabalho desleixado, focando mais em chamar a atenção dos jogadores com a participação de celebridades do que na qualidade geral da localização.

O que mais chateia é que essas mesmas empresas haviam mandado muito bem em trabalhos anteriores! A mesma Electronic Arts que acertou em cheio com André Ramiro e Dan Stulbach em Battlefield 4 permitiu que o cantor Roger estragasse completamente a experiência proporcionada por Battlefield: Hardline (um resultado que só não foi mais desastroso do que o comportamento escroto do vocalista do Ultraje a Rigor perante o feedback negativo do público). Mais recentemente a cantora Pitty mostrou-se uma escolha de elenco equivocada em Mortal Kombat X, um jogo vindo de uma WB Games que tinha se saído muito bem na localização de Injustice e que fez um belíssimo trabalho em Terra-Média: Sombras de Mordor, nos fazendo acreditar que ela tinha aprendido com os erros cometidos no Mortal Kombat da geração passada.

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Tô jogando Battlefield 4 esses dias. O trabalho do André Ramiro como Irish está excelente!

O caso de Mortal Kombat X chega a ser ainda mais preocupante: se analisarmos o jogo friamente, ficar crucificando a Pitty é uma grande injustiça com a cantora já que NINGUÉM dubla o jogo direito! Um elenco inteiro de dubladores profissionais, vítimas de um péssimo trabalho de direção que não soube prepará-los de forma adequada para o trabalho. As consequências são claras: além do resultado de qualidade duvidosa nas mãos dos jogadores, a repercussão extremamente negativa afeta não apenas a imagem dos produtores do jogo mas da própria cantora que, apesar dos pesares, apenas fez o que lhe pagaram pra fazer. No fim das contas, apesar de a WB Games (e a EA com BF: Hardline) encher a burra de dinheiro, todo mundo perde!

No caso do Roger, o erro foi semelhante: se a direção de dublagem tivesse trabalhado de um jeito decente, sequer cogitariam chamá-lo para o papel de Nick Mendoza (poderiam ter chamado o Wagner Moura, né?).

Sinceramente não era isso que eu queria que acontecesse quando era moleque e vivia na locadora, devaneando com meus amigos sobre o dia em que os games seriam finalmente traduzidos pro nosso idioma. E o pior é ver uma porrada de gente simplesmente aceitando e comprando esses jogos apesar da qualidade duvidosa de localização, o que só faz perpetuar a existência de trabalhos ruins.

Todo mundo adora ficar repetindo o quanto é importante “votar com o bolso”, mas quando o jogo é lançado bate recordes de vendas. Dificilmente acho que as coisas serão diferentes agora e eu tenho uma boa teoria que pode explicar esse nosso comportamento: videogame não é algo essencial nas nossas vidas, concorde você com isso ou não (a não ser que videogame seja seu ganha-pão, é claro). Videogame É um produto de menor importância, como eu tinha dito em outra ocasião, aliás. E dada a natureza dessa forma de entretenimento, tendemos a dar uma importância menor a ele na hora de exigir qualidade, seja na localização para Português Brasileiro, seja em qualquer outro aspecto dos jogos.

Reclamamos de falta de inovação, mas compramos todo Assassin’s Creed que jogam na nossa cara. Reclamamos da avalanche de remasterizações nesse inicio de geração, mas é só sair uma versão recauchutada de nosso game favorito e a gente até escreve resenha dele (isso inclusive vai ser assunto pra outro texto). Reclamamos da dublagem ruim da Pitty no Mortal Kombat e ficamos floodando a fanpage da cantora mas é só mudar o idioma do Steam ou do console pra inglês que fica tudo certo.

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Agora uma perguntinha pra botar vocês todos pra pensar: se exigimos qualidade e acertadamente recusamos e devolvemos um alimento estragado, um gadget com defeito ou um serviço mal prestado, porque diabos não fazemos o mesmo com os games? Porque nos contentamos com um produto de qualidade inferior às nossas expectativas e nos limitamos a “dar um jeitinho” só pra poder jogar? Já que pagamos caro pra caralho pra manter nosso hobby, porque em muitas situações não sabemos dar valor a isso?

Eu realmente espero que a WB Games e a EA percebam a burrada que estão cometendo e aprendam de vez com seus erros, e que outras empresas tomem isso como lição a fim de zelarem pela qualidade de seus produtos. Mas eu também espero que um dia nós saibamos levar nosso passatempo a sério e exigir um maior esmero dessas empresas. Depois de boa parte de nós brasileiros esperarmos décadas desejando jogar um bom jogo em nosso idioma pátrio, ver trabalhos tão desleixados como os de Battlefield: Hardline e de Mortal Kombat X se perpetuando no mercado e não fazer nada a respeito é simplesmente deprimente.

5 comentários em “Esperamos tanto pra isso?!”

  1. O Roger tem língua presa ….Ninguém em sã consciência acha interessante colocar alguém com aquela dicção p dublar ou narrar nada.

  2. Rapaz, tenho de discordar de você em alguns pontos, acho que a dublagem em PT-BR está passando por uma fase de experimentações e os caras vão arriscar mesmo em qualquer coisa que possa ajudar a fazer o game a vender mais, assim como foi com o mercado americano e japones logo que foi possível colocar vozes nos jogos, nem todas as dublagens saiam com qualidade.

    O que ficará é a aprendizagem, pois eu realmente espero que os caras aprendam com os erros cometidos.

    Mas sim, os erros de dublagem de MK X foram escrotos e realmente acho que a culpa não foi da Pitty e sim de uma incompetencia sem tamanho da direção de dublagem e a do BF Linha Dura acho que o Roger não tem carisma e dicção suficiente para tal, mas no fundo, não acho que ele se saiu tão mal assim.

    Tem dublagens louváveis, The Last of Us está lindo demais e com uma dublagem cinematográfica. A Ubisoft tem caprichado nas dublagens deles também, Far Cry 4 e o Watch Dogs estão aí para mostrar isso.

    Eu prefiro que continuem investindo nisso e tragam cada vez mais pessoas a jogar, especialmente aquelas que não sabem inglês, do que deixem pra lá.

    1. Ué Sayron! E quem disse que as desenvolvedoras deveriam parar de investir na localização pro Brasil?! Muito pelo contrário, investe mais que ta poco! =P

      Se você reparar bem, eu citei vários exemplos de dublagens e localizações de ótima qualidade ao longo do texto – inclusive vindas da mesma WB Games que fracassou com Mortal Kombat e da mesma EA do BF: Hardline – e você apenas acrescentou mais excelentes exemplos que eu não lembrei na hora! Nesse quesito a verdade é que você concorda comigo. 😉

      Entretanto, embora também concordemos que um bom trabalho de localização/dublagem seja uma questão de experiência e know-how, sabemos muito bem que a Electronic Arts e a WB Games não começaram a fazer isso ontem. Elas já haviam feito bons trabalhos antes sem recorrer a meras celebridades sem experiência na coisa. Novamente cito Battlefield 4, Injustice e Terra-Média pra provar o meu ponto.

      É por essa razão que eu acho inadmissível que casos como o de Pitty e Roger aconteçam. Não é só porque a coisa tá em um novo começo que isso deva ser desculpa para que se faça um trabalho de localização mal feito. E eu continuo batendo na tecla de que a melhor forma de combater trabalhos ruins de localização e dublagem de jogos (bem como trabalhos ruins de qualquer tipo) é simplesmente não comprando esses jogos, mas cada um gasta seu dinheiro como bem entende, né…

      Por fim, deixo um link com uma pequena amostra de como uma empresa sem experiência nenhuma com o mercado Brasileiro pode ao menos se esforçar pra fazer a coisa do jeito certo: http://www.witcherbr.com/2015/04/especial-dublagem-witcher-3-wild-hunt.html

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