Um intrigante jeito de contar histórias chamado Her Story

Nota do editor: Antes de mais nada, deem as boas vindas a nossa mais nova redatora, Cindy Dalfovo! Ela escreve bem pra caramba, manja muito de jogos que não são tão conhecidos pelo público geral e volta e meia flooda a timeline alheia com dicas de promoções e descontos em games no Steam!

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Her Story é um desses jogos no qual a experiência de descobrir a história pela primeira vez é uma parte tão integral da sua proposta que escrever sobre ele se torna um desafio para equilibrar, de um lado, a necessidade de falar o suficiente sobre o jogo para atrair aqueles jogadores que podem apreciá-lo e, de outro, de fazer isso sem “entregar” demais da sua história.

O jogo conta como uma interface que remete aos sistemas operacionais da década de 90, com direito ao reflexo e linhas dos monitores CRT, dos registros em aparente qualidade de fita VHS. O jogador tem acesso a uma base de dados com vídeos de uma mulher dando depoimentos à polícia no decorrer de sete dias diferentes.

“Quem é essa mulher” e “Porque ela deu esses depoimentos à polícia” são duas das perguntas que surgem logo no início e que eu não posso responder. Posso apenas dar algumas dicas de como o jogador que resolva dar uma chance a esse jogo pode encontrar essas respostas, e porque essa busca vale a pena.

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O jogo é composto, essencialmente, dessa interface antiquada de um computador em uma delegacia de polícia, e de uma série de vídeos que contém fragmentos dos depoimentos dessa mulher. Para ver esses vídeos, você deve encontrá-los na base de dados, informando palavras no campo de busca – os vídeos que contém as palavras procuradas vão aparecer, mas com uma ressalva: apenas os cinco primeiros vídeos. Então, se você resolver procurar por uma palavra comum e ela tiver vinte resultados na busca, você poderá ver apenas os cinco primeiros resultados e terá de encontrar os outros vídeos de outra maneira. Aos poucos você vai aprendendo a procurar por novos vídeos, colocando palavras mencionadas em um vídeo, palavras que parecem relacionadas aos assuntos discutidos, formando lentamente um quebra-cabeça com cada novo fragmento, cada nova informação que nos é revelada.

Inevitavelmente alguém, em algum lugar, vai se perguntar “isto é um jogo?”, esquecendo-se que essa pergunta é irrelevante. O que importa é: essa história tinha de ser contada dessa maneira, com suas idas e vindas, com suas crescentes percepções, com descobertas que jogam nova luz sobre fragmentos banais vistos antes. E é isso que torna o jogo de Sam Barlow, responsável por Silent Hill: Shattered Memories e Silent Hill Origin, tão especial.

Tanto na literatura quanto no cinema existem movimentos que buscam novas maneiras de contar uma história – contá-la de maneira não-linear é uma dessas formas. Podemos citar filmes como Pulp Fiction, Memento (Amnésia) e Primer, e a infinidade de livros que contam com flashbacks e diferentes pontos de vista para contarem suas histórias. Essa não-linearidade é diferente em cada mídia no entanto, ou ao menos pode ser – um jogo pode contar com diferentes pontos de vista e flashbacks para contar sua história, aproximando-o dos artíficios usados pelos filmes e livros, mas ele também pode contar com maneiras únicas ao seu meio. É difícil conceber um livro no qual você lesse parágrafos em ordens diferentes de acordo com sua vontade, uma descrição da página 10, um diálogo da pagina 100, para depois outra descrição da página 50… filmes e livros podem contar uma história de maneira não-linear, mas é uma não-linearidade estática, única. Continua sendo uma ordem na qual a história é contada, ainda que de maneira não convencional.

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Por outro lado, duas pessoas que joguem Her Story irão experimentar duas histórias, dois caminhos diferentes, e isso pode mudar radicalmente a reação dessas pessoas ao jogo: alguém que encontre um peça fundamental do quebra-cabeça pode desmecerê-lo por conta disso, enquanto que alguém que encontre essa mesma peça após um lampejo, como um prêmio por uma boa dedução, pode se sentir imensamente feliz com esse momento de descoberta.

Isso também é radicalmente diferente de outros jogos que exploram a interatividade para contarem suas histórias: um RPG com várias escolhas e histórias que se desenvolvem de maneira diferente de acordo com essas escolhas contam um trajeto similar com diferentes nuances. Em Her Story há apenas uma história – os acontecimentos relatados ocorreram há muitos anos e o jogador não tem qualquer influência sobre o seu desenrolar. Seu único papel consiste em ver esses fragmentos, juntar essas peças, e tentar entender a história que surge a sua maneira.

Eu cheguei ao ponto em que “entendi” a história pela primeira vez. Vi os créditos. Fui fazer outras coisas. Mas ainda haviam perguntas sem respostas, e eu mal havia visto 50% dos vídeos no banco de dados. Poderia haver algo mais? Liguei de novo o jogo. Fiz novas buscas. Novas suposições. Novas pequenas histórias, apenas tangencialmente relacionadas à história principal (ou não?).

Entrei nas discussões do jogo no Steam. Vi outras teorias. Discordei de algumas, concordei com outras. Fiquei dias pensando sobre a história do jogo. Essa história que não era minha, como em tantos outros jogos, mas dela, mas que não mexeu menos comigo por conta disso.

HER STORY

Plataforma avaliada: PC | Desenvolvedor: Sam Barlow | Publisher: nenhum | Gênero: Quebra-cabeça/Puzzle

Her Story está disponível no Steam, em versões para Windows e Mac OS X.

3 comentários em “Um intrigante jeito de contar histórias chamado Her Story”

  1. Eu pensei um bocado em dar uma chance para esse jogo quando ele saiu, mas não gostava do estilo visual, e não me sentia muito seguro quanto a história, porque acho estranho experiências tão próximas da realidade, soa assustador também…

    Cindy de volta à ativa! Saudades do chocolate… Excelente análise, por sinal. 😉

    1. Obrigada 🙂

      O estilo visual dele é mesmo diferente, meio trash/retrô/filme B. Aliás, ele tem um estilo meio filme B mesmo, vou confessar, mas desde Pandora Directive tenho um soft spot para jogos com essa estética :p

      A história… bom, eu vi muita gente que não gostou, teve gente que teve alguns problemas com uma interpretação possível da história… bom, eu gostei bastante da “aventura” de desenrolar a história 🙂 mas como eu falei ali em cima, acho q depende de como vc vê essa história desenrolar…

    2. Ainda não cheguei a jogar Her Story, mas esse estilo visual antiguinho foi o que mais me chamou a atenção. Foi uma das coisas que me fez gostar de Gone Home também, essa tentativa de retratar com o máximo de fidelidade possível uma época passada (no caso, os anos 1990) e usá-la como pano de fundo.

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