Nairi: Tower of Shirin: uma aventura encantadora, mas estranhamente incompleta

Foram poucas as vezes que eu joguei games de aventura point-and-click ou quaisquer de suas variantes. Geralmente um jogo como esse precisa ter uma temática bem específica ou uma característica realmente marcante pra me chamar a atenção e o enfadonho pixel hunting, defeito bastante comum em vários desses jogos (especialmente os mais antigos, ou os feitos focando no público-alvo mais purista), muitas vezes contribui bastante para o meu afastamento desse gênero.

Não que eu nunca tenha jogado nada parecido antes, é claro. Já me diverti bastante com alguns títulos das franquias Professor Layton e Ace Attorney, bem como com algumas produções independentes bem competentes. Minha mais recente incursão por esse gênero – na forma do jogo NAIRI: Tower of Shirin – se mostrou uma experiência até bem interessante, apesar de alguns defeitos nesse jogo me desapontarem um pouco, no fim das contas.

Tela de título de Nairi: Tower of Shirin

Existe um reino fantástico e exótico no meio do deserto, chamado Shirin. Nesse reino, humanos convivem com as mais variadas criaturas antropomorfizadas em relativa harmonia, ou ao menos se toleram o bastante para fazer sua sociedade funcionar. Um verdadeiro oasis em meio às dunas escaldantes, Shirin é um reino com seus próprios problemas, mas que também esconde muitas maravilhas prontas para deleitar aqueles de espírito mais aventureiro e explorador. Neste intrigante reino, vive uma garotinha chamada Nairi. Filha de família rica e abastada, Nairi passa seus dias estudando com seu tutor e quase nunca sai de casa, sendo superprotegida por seus pais e sem conhecer quase nada do mundo exterior que não venha das páginas de seus livros de estudo.

Um dia, enquanto estudava a história do reino de Shirin, Nairi é surpreendida por seu tutor, que pede desesperadamente para que ela fuja: os pais de Nairi haviam sido sequestrados pela Guarda Real e Nairi corria perigo de também acabar sendo raptada. Nairi acaba fugindo para o meio do escaldante e perigoso deserto e, em meio a apuros e desventuras, acaba conhecendo Rex, um estudioso e explorador que está interessado em investigar a gigantesca e misteriosa torre que se ergue no centro do reino de Shirin e que, segundo ele, guarda muitos mistérios.

Desesperada para voltar para seu lar e salvar seus pais, Nairi e Rex resolvem trabalhar juntos para tentar se infiltrar novamente no distrito dos ricos do reino. Mas ao decidir explorar a misteriosa torre de Shirin junto com Rex, Nairi descobre segredos e mistérios inimagináveis que determinarão o seu destino e o destino do reino de Shirin.

Apesar de sua aparência jovial e atraente, Nairi: Tower of Shirin é um jogo de aventura bastante tradicional: percorra lugares abertos, salas e dungeons, colete itens e os combine para transformar em novos itens, resolva quebra-cabeças… o costumeiro em jogos desse gênero. No caso da versão para Nintendo Switch, o diferencial está na possibilidade de usar um dos Joycons como “ponteiro do mouse” para jogar, mas nenhuma grande novidade além disso.

Apesar disso, este jogo só prendeu minha atenção do começo ao fim graças ao belo potencial do universo que ele me apresentou. A mitologia desse universo e o desenvolvimento de vários dos personagens que o habitam foram algumas das características que foram bem trabalhadas pelos desenvolvedores.

Ao longo das minhas seções de jogo eu achei bastante interessante como o reino de Shirin foi construído e de como seus habitantes interagem entre si. Shirin é dividida em 3 grandes distritos: o distrito dos ricos, onde fica a classe alta e aristocrata da população; o distrito intermediário, onde a vive a classe média de Shirin e onde os numerosos comerciantes vendem mercadorias para qualquer um que se interesse; e o distrito dos pobres, região do reino dominada por diversas gangues e onde não costuma ser muito seguro perambular à noite. Do lado de fora do reino, o deserto acaba sendo lugar de bandidos e saqueadores, sempre a espreita para roubar a valiosa carga de comerciantes desavisados.

À medida que descobrimos mais e mais detalhes da mitologia de Nairi: Tower of Shirin, percebemos que ela é simples mas consegue ser bem elaborada, não apenas servindo como pano de fundo para aprofundar mais o universo onde o jogo se passa, mas também servindo como base para a criação dos vários quebra-cabeças que temos que solucionar. Alguns desses puzzles (especialmente os que surgem da metade para o final do jogo) envolvem decifrar pequenas mensagens criptografadas com hieróglifos e runas, quase como se os desenvolvedores tivessem criado uma pequena e rudimentar linguagem deixada para trás pelos antigos sacerdotes de Soluna, a deusa desse universo.

Um dos vários puzzles que precisamos resolver em Nairi: Tower of Shirin. Os mais avançados envolvem até mesmo decifrar pequenas mensagens criptografadas.

Eu também achei os personagens desse jogo bem carismáticos e interessantes, mais até do que a própria protagonista da trama: a garotinha Nairi, por vezes, se mostra uma jovem um tanto quanto insossa e sem muita atitude, se limitando a reagir aos acontecimentos e quase servindo como um mero avatar do jogador, para que ele possa executar ações e interagir com aquele mundo.

Já os NPCs e coadjuvantes do jogo têm muita personalidade: o nosso parceiro Rex, com quem Nairi divide a aventura, e seu fascínio pela história e a arqueologia de Shirin; o dono do bar dos patos e seu temperamento ranzinza; o soturno Shiro, com sua misteriosa máscara branca; o sábio Sami, tutor de Nairi e responsável por sua educação… Todos esses personagens ajudam bastante a enriquecer a experiência de passear por Shirin e explorar cada cantinho desse exótico lugar.

Ao meu ver, existem dois grandes pontos negativos que impedem NAIRI: Tower of Shirin de ser uma experiência 100% agradável. Um deles é o forte incentivo ao pixel hunting.

Pra quem não conhece o termo, pixel hunting é uma característica dos jogos point-and-click que obriga o jogador a ficar clicando em cada cantinho de cada tela do jogo de maneira incessante, para encontrar um item ou disparar um evento ou ação. Em um jogo com esse artifício, o jogador não clica nos locais e objetos do cenário de maneira orgânica, e sim de maneira compulsiva e aleatória, até finalmente encontrar o que se deseja.

Em NAIRI: Tower of Shirin, o pixel hunting ocorre na hora de procurar as moedas de ouro escondidas nos cenários. A partir de um momento, no começo do jogo, um NPC nos informa que é possível encontrar dinheiro para comprar itens, bastando “saber exatamente para onde olhar” e essa é a ÚNICA dica dada pelo jogo. Não há absolutamente nenhum indicativo visual para ajudar e o jogador realmente precisa sair clicando aleatoriamente pelo cenário até ter a sorte de encontrar alguma moedinha.

Até mesmo a acessibilidade de alguns puzzles acaba sendo prejudicada pelo pixel hunting. Não foram raras as vezes em que eu fiquei preso em um quebra-cabeça específico – às vezes por dias – simplesmente porque eu não sabia exatamente onde clicar, por mais que eu procurasse. Certos detalhes do cenário que reagem ao clicar ou ao arrastar um item do inventário estão dispostos na tela de maneira tão discreta, quase escondida mesmo, que dificulta sua localização, o que torna a experiência bem frustrante (e o livrinho de anotações do Rex que acessamos no inventário, que deveria servir de auxílio ao jogador, não tem lá tanta serventia nessas situações).

O outro grande defeito desse point-and-click – talvez o pior deles – é a maneira completamente abrupta e inconclusiva como a história desse jogo acaba!

Nairi: Tower of Shirin é um jogo que conta sua história de maneira completamente linear: apesar de contar com um certo nível de backtracking e ter caminhos ramificados que dão destino a lugares diversos no mapa de Shirin, o jogo conta sua história seguindo apenas uma linha narrativa e não tem finais alternativos – ou, se tem, não dá nenhum indício sequer de haver essa possibilidade (eu até procurei na página do Kickstarter do jogo pra saber se eles prometeram algo parecido, mas não encontrei nada).

Por isso eu fiquei bem confuso quando eu passei por um momento bastante crítico da trama do jogo e fiquei esperando o desenrolar dos acontecimentos, mas tudo que eu recebi em seguida foram os créditos do jogo subindo na tela. Evitarei dar spoilers nesta resenha, mas imagine quando o filme O Hobbit: A desolação de Smaug estreou no cinema e todo mundo foi pego de surpresa com a maneira completamente estranha como aquele filme acabou.

Foi mais ou menos essa mesma reação que eu tive ao zerar Nairi: Tower of Shirin.

Nairi: Tower of Shirin é um jogo repleto de potencial que nos oferece um universo fascinante, quebra-cabeças criativos e desafiadores e personagens carismáticos, além de encher nossos olhos com uma belíssima direção de arte, inspirada em desenhos feitos com giz de cera e aquarela. Mas também é um jogo que peca gravemente em ser tradicional demais em algumas mecânicas ultrapassadas do gênero point-and-click e que inexplicavelmente se esquece de terminar de contar sua história!

Se essa foi uma tentativa do Home Bear Studio de fazer de seu final um gancho para uma continuação, tal gancho foi extremamente mal feito. Espero sinceramente que haja uma continuação para essa história, que ficou com muitas pontas soltas e perguntas sem resposta. Caso contrário, ficarei ainda mais desapontado do que já fiquei com este jogo.

NAIRI: TOWER OF SHIRIN

Plataforma avaliada: PC/Windows | Desenvolvedor: Home Bear Studio | Publisher: Another Indie, Hound Picked Games | Gênero(s): Aventura, Point-and-click

Nairi: Tower of Shirin também está disponível para Nintendo Switch.

Esta resenha foi elaborada com uma cópia do jogo gentilmente cedida pelos desenvolvedores.