Os bits: o que são? Para que servem? Aonde foram?

Atualmente é comum avaliarmos se um aparelho de videogame é bom ou não quase da mesma forma que fazemos quando compramos um computador novo. Obviamente essa não é a única forma, afinal o interesse pessoal e a qualidade dos games oferecidos em cada plataforma também contam bastante. Mas desconsiderando essas variáveis geralmente queremos saber se os processadores lógico e gráfico são possantes, se o disco rígido tem um espaço generoso e se há formas variadas e eficientes de conectividade.

Mas houve um tempo em que não éramos assim tão exigentes. Nossa procura por videogames se dava de uma forma muito mais simples e, respondendo a esse comportamento, a indústria de jogos digitais tratava seus produtos – e os classificava – de uma maneira igualmente simples. Em vez de especificações técnicas rebuscadas, nós apenas queríamos saber quantos bits um console possuía.

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Zilog Z80: o “cérebro” do Master System

Antes de começarmos, vale lembrar aos que entendem de informática – bem como explanar aos que não são tão íntimos dessa área de conhecimento – que consoles de videogame são, em sua essência, computadores. A única diferença entre eles e o notebook que você leva pra faculdade é o fato de que um console é projetado com foco em uma finalidade: rodar jogos digitais. Atualmente essa definição se tornou bastante flexível, já que os consoles atuais possuem componentes que os tornam cada vez mais semelhantes aos computadores – como os discos rígidos, por exemplo – o que permite utilizá-los como algo além de simples máquinas para rodar jogos. Mas, em nome da coerência histórica, me refiro aqui à definição clássica de console de videogame.

Um bit é a menor e mais básica unidade de informação que um computador é capaz de “entender”. Seus dois valores possíveis representam a ausência (representada pelo número 0) e a presença (representada pelo número 1) de corrente elétrica passando pelos circuitos de um computador.

Quando um programa roda em um computador – seja o processador de texto que muitos de nós usamos no trabalho, seja o remake de um clássico dos survival horrors a ser jogado num xisboca – na verdade o computador está lendo uma sequência lógica de intermitências elétricas, interpretando esses pulsos de corrente elétrica disparados a uma velocidade e ritmo definidos pela programação desses softwares. Ou seja: uma sequência de zeros e uns.

Como todo computador que se preze, um aparelho de videogame possui um processador. Também como um computador comum, o processador de um console deve executar instruções a uma determinada velocidade e enviar/receber uma quantidade fixa de sequências de zeros e uns a cada intervalo de tempo.

O papel do processador é receber esse fluxo, interpretar o que cada pulso significa e devolver os resultados dessa interpretação ao usuário na forma de sons, imagens e outros tipos de informação desejada o mais rápido possível. E é essa relação entre a quantidade de informação processada e a velocidade em que ela é enviada e recebida por todos os componentes de entrada e saída de dados de um computador ou console que define quão rápido e poderoso é um processador. É por esse motivo que um Master System é mais potente do que um Atari 2600, mesmo ambos sendo dotados de processadores de 8 bits: o processador Zilog Z80 do Master processa esses bits a uma velocidade de 3,58MHz, ao passo que o processador 6502/6507 do Atari “roda” a apenas 1,19MHz.

É como colocar um Fusquinha e um Ford Focus para correrem lado a lado (não entendo de carros, então me arrisco na comparação aqui).

Como tudo começou?

Entretanto, por questões mercadológicas, não era comum entre os interessados por games daquela época correr atrás de todas essas informações e detalhes técnicos na hora de comprar um videogame. Da mesma forma que é mais fácil dizer que um carro com motor 2.0 é melhor do que um carro com motor 1.0, havia uma necessidade de o consumidor mensurar de forma rápida e intuitiva como este console conseguia gerar imagens mais bonitas e coloridas do que aquele.

Quem primeiro percebeu essa necessidade foi a SEGA, durante a quarta geração de videogames: ao lançar seu primeiro console de 16 bits ela precisava de algo que o destacasse do console da concorrência, também de 16 bits. Em vez de tentar convencer seus consumidores com detalhes técnicos complicados e muito “informatiquês”, ela simplesmente estampou um 16-BIT enorme e dourado na carcaça do Mega Drive.

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Quem já era macaco velho não se deixava iludir e analisava o produto mais friamente. Mas não havia dúvida de que essa manobra chamava bastante a atenção do grande público, o que ajudou a alavancar as vendas do console da SEGA independentemente de o Super Nintendo ser um aparelho tecnicamente superior.

Através das gerações

Com o passar dos anos as empresas aprenderam que essa era uma maneira eficiente de atrair público: abstrair detalhes técnicos, focar apenas em uma característica – o processamento – e botar seus respectivos departamentos de marketing para trabalhar em cima disso! Mesmo passando uma impressão equivocada de potência, toda a indústria de games passou a ostentar a quantidade de bits que seus produtos tinham, o que contribuiu para delinear a divisão entre as gerações de videogames (geração 8 bits, geração 16 bits, geração 32 bits…).

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Obviamente as evidências dessa jogada de marketing foram ficando bastante claras aos mais atentos: na segunda geração, modelos distintos de consoles de uma mesma empresa tinham processadores do mesmo tipo, mas com alguns exibindo gráficos mais bonitos e velozes do que outros (vide os vários modelos de Atari, todos de 8 bits). Na quarta geração tanto o Super Nintendo quanto o Mega Drive comiam a poeira do Neo Geo: todos os três aparelhos eram de 16 bits, mas o produto da SNK tinha uma velocidade de processamento bastante superior aos outros dois, o que proporcionava jogos com um visual bastante superior em comparação.

A importância dada aos bits chegou a um ponto tão alto que na geração seguinte, enquanto a SEGA e a Sony se preocupavam em lançar aparelhos de 32 bits, a Nintendo botava o pau na mesa com seu Nintendo 64, em uma época em que seguir a Lei de Moore parecia ser tendência.

Até os portáteis – e os não tão portáteis assim – entraram na dança: o fracassado Virtual Boy era propagandeado como sendo o primeiro console de 32 bits da Nintendo. E quem não lembra do Game Boy Advance, que também estampava um “32 bits” na embalagem?

O caso Dreamcast

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Uma hora isso tinha que virar bagunça, não é verdade? Pois foi o que aconteceu quando a SEGA colocou o saudoso Dreamcast no mercado. Na primeira vez que ouvi falar dele, soube que ele era um console de 128 bits – o primeiro do mercado com tal potência, por sinal. Até lembro da primeira revista Gamers que comprei (número 30, aquela com a fascinante análise de Parasite Eve), que noticiava sobre ele ainda com o codinome de Katana. Mas divago…

Entretanto, outras publicações da época davam conta de que na verdade o Dreamcast tinha um processador de 64 bits, mas com um barramento diferenciado de 128 bits para os gráficos. Isso fez com que discussões se arrastassem por anos em fóruns e círculos de retrogamers, que durante muito tempo questionaram se o verdadeiro primeiro console de 128 bits foi o Dreamcast ou o PlayStation 2.

Hoje sabemos que foi o console da Sony, mas a verdade é que felizmente isso não importa mais.

E o meu XONE?

O que não nos impede de fazer um pequeno exercício de criatividade e tentar encaixar os consoles atuais nessa “nomenclatura” só de zueira, não é mesmo? Quando eu ainda me importava com bits dessa forma (e não ligava o suficiente para pesquisar e responder minhas próprias perguntas), costumava questionar a potência em bits dos consoles com os quais eu tinha contato, seguindo essa tendência inventada pela SEGA.

Daí que eu fiquei bastante surpreso com a conclusão que eu cheguei. O Wii e o PS3 não foram surpresa: o antigo console da Nintendo tem um processador IBM PowerPC “Broadway” de 64 bits, “sendo” portanto um console de 64 bits. Já a maioria dos núcleos do Cell Broadband Engine, do console da Sony, trabalham a 128 bits, tornando-o essencialmente um console de 128 bits.

No entanto, pasmem! Se essa coisa de “separar os consoles por bits” ainda fosse levada a sério, o Xbox 360 – considerado equiparado ao PS3 – seria considerado um console de 64 bits e não de 128, consequentemente sendo visto como inferior aos olhos dos consumidores! Segundo a própria IBM – que criou o processador do X360 em parceria com a Microsoft – esse processador é na verdade uma versão personalizada de um núcleo PowerPC de 64 bits.

Longe de mim querer provocar flamewars, mas… seria o Xbox 360 “o Dreamcast da Microsoft”?

Agora repito a brincadeira com os consoles da nova geração: o Wii U possui em seu interior o IBM Power PC “Espresso” – sucessor do “Broadway” – e, de acordo com suas especificações, se ainda tivéssemos a mentalidade que tínhamos nos anos 1980/1990, o Wii U seria considerado um console de 32 bits, assim como foi o primeiro PlayStation!

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Eita!

Já os consoles PlayStation 4 e Xbox One usam processadores idênticos: ambos tem em seu interior uma combinação de CPU e GPU AMD Jaguar, com dois processadores quad-core de arquitetura x86-64, o que os tornaria consoles de 64 bits.

Ainda bem que essa coisa de medir potência de videogame somente em bits virou coisa do passado… :p

Bits, bits e mais bits

Hoje em dia temos gosto em tratar os consoles como se fossem PCs, nos impressionando com especificações mais e mais elevadas a cada nova geração que chega ao mercado. Mas é sempre muito interessante lembrar de como as coisas eram mais simples e como um detalhe técnico aparentemente bobo podia ser tão significativo – e inusitado – para a indústria e para nós jogadores.

[Texto de minha autoria, publicado originalmente no site PlayStation Blast,
parcialmente reescrito e adaptado para a geração atual de consoles.
Licença deste texto: BY-SA 3.0.]

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